I. Cerveja & Grito
“O bar era um ventre de luz suja,
e nós — filhos da vertigem —
bebíamos o amanhã em copos de vidro.
A juventude ardia na garganta,
ria alto, cuspia futuro sobre a calçada molhada.
Cada gole era um raio partindo a carne,
um milagre servindo rodadas de fé líquida.
Falávamos de amor como quem acende cigarros:
rápido, bonito, sem medo de queimar os dedos.”
II. Música & Fogo
“O som entrou pelos ossos —
um animal elétrico correndo pelas veias.
A pista girava como um planeta bêbado,
nossos corpos eram idiomas que só o suor traduzia.
Tu dançavas como quem apagava o mundo,
e eu, desarmado, implodia em silêncio.
Ali, o tempo perdeu o nome,
e tudo era batida, respiração, clarão.
Deus, se existia, estava no grave.”
III. Rotina & Cinza
“Agora o bar fechou,
a música é memória embolorada num fone velho.
O amor, um eco engasgado no corredor do tempo.
Os dias passam — iguais, educados,
como funcionários cumprindo tabela.
Mas às vezes, quando o gelo cai na cerveja,
um som antigo me atravessa —
e por um instante breve
sou de novo aquele garoto que dançava na beira do fim,
achando que o mundo cabia
num beijo e num refrão.”