A CARROÇA DE CADA UM
Revirando com saudade
As gavetas da lembrança,
Saltou da mente um pedaço
Dos meus tempos de criança,
Quando’ eu e o papai
Numa de nossas andanças
Saímos das “Terra Preta”
Prá casa velha do “Estreito”.
No caminho ele falava,
Das pessoas, e seus jeitos
E que’ é bom se ter virtudes
Prá cobrir nossos defeitos
Que’ as virtudes sempre nascem
Na alma das criaturas,
E crescem e cristalizam
Quanto mais a alma é pura.
Sem foba e sem pabulagem,
Sem arrogância ou frescura.
De repente ele calou-se
E se pôs a assuntar,
Após um breve silêncio,
O ouvi me indagar:
Tá ouvindo alguma coisa
Além de “passarim” cantar ?
Apurei bem os ouvidos
Prá de longe pressentir
E mesmo sem enxergar,
Num repente, respondi:
Um barulho de carroça,
É tudo que posso ouvir.
Isso mesmo, disse ele:
- Uma carroça vazia!
Como’ ele sabia disso?
Se apenas se ouvia
O barulho da carroça,
Nada, nada mais se via?
Muito fácil, disse ele:
- Pelo barulho que faz,
Quanto mais vazia está,
Assunte bem, meu rapaz,
Mais barulhenta a carroça.
Seja sempre mais sagaz.
Fiquei adulto, e até hoje
Quando vejo a criatura
Falando alto demais,
Gritando de toda altura,
Tentando intimidar
Todo mundo com grossura
E de forma inoportuna,
Ignorante e prepotente
Interromper as conversas
E os assuntos da gente.
Ser o dono da razão
De modo inconveniente,
Tenho a impressão de ouvir
Meu pai falar, lá atrás,
Repetindo mansamente,
No seu jeito perspicaz:
- Quanto mais oca a carroça,
Bem mais barulho ela faz.