Poesia

COLETÂNEA: CARTAS

Mãe,

Acontece que um dia a gente cresce
e as poesias já não rimam com a realidade.
Acontece que o céu fica distante da nossa prece
e os olhos se cansam de tanta vaidade.

Acontece que as viagens não emocionam mais
e o inexplicável é a sensação fatigante
que insiste em lembrar que nossos sonhos ficaram pra trás,
mas que continuam guardados num tom empolgante.

Acontece que nos perdemos no nosso estribilho,
que tanto as lembranças se congestionaram
e nossas canções já nem fazem sentido,
que só se perderam naquilo que nos contaram.

Acontece que a gente se acostuma a se acomodar;
e ainda temos a hipocrisia de pensar
que o mundo fugiu do nosso imaginar
e guardou-se na (falta de) habilidade de aceitar.

Acontece que prendemos nossos dedos na caixinha de música,
aquela que narrava nossa dança.
E tudo entrelaçou-se numa só dúvida:
se tudo vale a pena e porque tanto cansa.

Acontece que o tempo passa,
as coisas mudam,
o céu embaça,
as linhas curvam.
O mundo perde a graça
e os sonhos turvam.

Acontece que chega uma hora, enfim,
que a gente se entedia de contar estrela.
E o que há de melhor em mim
se guarda numa só gaveta.

Acontece que já nem há mais razão
de procurar – e tentar – entender
o que acontece quando nem resposta tem-se no coração,
quando já não entende-se o porquê
de não poder responder
o que a gente vai ser
quando a gente crescer.


Mãe,

Acontece que as palavras me fugiram,
e eu certamente vou querer voltar
ao tempo que os olhos sorriram,
quando já não aguentavam mais de falar.
E o mundo é só mais um poema
e logo se guardará
na minha estante boêmia,
e, ao normal, tudo voltará.


(Ias Rodriguez, 2017)

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