Poesia

Lamento de retirante ou Viúva da Seca



LAMENTO DE RETIRANTE OU VIÚVA DA SECA

É triste o viver no mundo
do pobre do retirante,
o cabôco nordestino
qui entra de mundo adiante
deixando o torrão natal,
os fi, os pai e a amante

E cai no ôco do mundo
a mercê do improviso,
carecendo de fazer
capital de prejuízo;
se acoitar nas terra alheia
sem mesmo mandar aviso.

As vezes tem um ou outro
qui inté qui se dá bem
mas outros, pobres coitados,
acaba tudo qui tem;
eu peço a quem num crer
qui assunte o caso qui vem:

Zé Zuza, um cabôco novo
tinha xodó por Maria,
era uma paixão danada
qui outra não existia
qui desse pra se medir,
era amor pra noite e dia;

Era amor pra vida toda
e inda durar seis mês;
inda novo se casaram,
quase sempre ou o mais das vez
se alimentavam de amor
o casal de camponês.

Mas um dia, finda o sonho
e aparece a verdade,
acaba a lua-de-mel
e a dura realidade
reclama pelo sustento,
antes qui seja tarde.

Uma seca da mulesta
abate o velho sertão
e a roça de Zé Zuza
tá de cortar coração:
num vai sobrar pra colheita
de legume nenhum grão.


E sem ter um mei de vida
e nem jeito qui dê jeito,
olhou pra sua mulher
e disse com dor no peito:
- me espera aqui Maria
qui eu vou ver se me ajeito

Ai pelo mundo afora,
vou ver se engano a morte,
quando melhorar de vida,
quando me sorrir a sorte
ou eu mando te buscar
ou volto pra cá pro norte.

Meteu os peito na estrada,
danou-se de mundo afora;
o tempo passou e Zé Zuza
chorava a saudade agora,
maldizia e excomungava
o dia em que foi embora,

Quanto mais passava o tempo
mais a saudade aumentava,
pensando nos cafunés
da mulher qui ele amava;
sem emprego e sem carinho
a vida lhe maltratava.

Vivendo nesse desgosto
se lembrando do nordeste,
lhe dava dentro do peito
aquele arrocho da peste,
dizia sempre: - ôh saudade
dos carinhos qui me deste.

Junto à saudade, crescia
a descrença e o desespero:
não tinha emprego nem casa,
nem saúde, nem dinheiro,
da vidinha do nordeste
num sentia nem o cheiro.

Enquanto o tempo passava
a desgraça o consumia
e só vivia, por que
pensava voltar um dia
pra se vingar da saudade,
no aconchego de Maria.





Mas quando o cão num vem
seu secretário num tarda;
e o pobre de Zé Zuza
enquadrou-se nessa farda,
encheu a cara de pinga
e perdeu o anjo da guarda

E foi, madrugada afora
farreou a noite inteira;
nos braços duma donzela
quase fez uma besteira;
mas pesou a consciência
e acabou cum a brincadeira.

Ressacado e arrependido,
esculhambado da vida,
o coração apertado
lhe magoando a ferida,
só pensava na esposa,
com a consciência fudida.

Ai, escreveu pra ela
e lhe relatou o fato,
pediu desculpa e perdão
pela autoria do ato
e ficou em paz consigo;
t'aqui da carta o relato:

Minha querida Maria,
razão da minha existência,
tô lhe mandando essa carta
mode lhe pedir clemência
e aliviar a dor
do peso da consciência.

Espero qui me entenda,
pense no meu sofrimento;
o tempo todo pensando
e freando o pensamento,
até qui um dia a cachaça
levou-me ao padecimento.

Pense na situação:
por cima a infame cachaça,
por baixo o diabo da reima
e completando a desgraça,
uma mulher quase nua,
assim, feita por pirraça

Me insultando, a danada,
me chamando pra folia;
ai, eu tava qui tava,
eu já pensava qui ia...!
Foi quando bateu em mim,
tua lembraça, Maria.

Sai de cima da dona,
mesmo na hora agá,
se demora mais u m pouco,
num dava mais pra voltar.
Mas graças a Deus, tô salvo
e nunca mais vou errar.

A resposta num tardou,
pra aliviar Zé Zuza,
veio ligeira e precisa
e sem nenhuma recusa:
- Sou tua mesma Maria,
a qui tu usa e abusa

E desse teu praticado
num guardo nenhum rancor,
num há de ser por tão pouco
qui vá morrer nosso amor;
só uma coisa me intriga
e me causa grande dor:

Tem coisa qui acontece
por pintura do diacho;
o mesmo fato ocorreu
comigo lá no riacho
e eu só num sai de cima
porque tava por debaixo.



Simplicio M Oliveira Simplicio M Oliveira Autor
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