Poucos se lembram da dor
A dor que a fome provoca
A fome provoca a vergonha
de não se ter o que comer
Morrer de humilhação,
comer no prato em que cospe
Andar pra baixo e pra riba
Remeiro valente do rio Parnaiba
O rio secou, peixe não há mais,
Crispim e agora?
O milagre da multiplicação
do peixe e do pão
possível não é mais.
A fome escarrando na mão que afaga
Andar pra baixo e pra riba
Remeiro valente do rio Parnaiba
Um corredor de boi
fervido com água e sal,
é sopa de pedra
A cabeça é de cuia, o coração é de pedra
A mãe é sagrada, a vida é ingrata,
e cospe no prato em que come
Andar pra baixo e pra riba
Remeiro valente do rio Parnaiba
O que ficou de resto?
Tão somente o gesto
tresloucado de fúria
e a maldição da mãe
Esqueceram a fome
A fome mastiga no prato da fúria,
que campeia pra baixo e pra riba
Remeiro valente do rio Parnaiba