Poesia

A Simbiose da Seda

A criança repousa sobre as pegadas dos homens.
Não há lençol nem abraço para atenuar o frio.
A penumbra é o cenário dos inquietos...

Eles estão por toda a parte: borrando a parede com o carvão da fogueira. Pendurados no armário da antiga cozinha.
Elas atiram pedras de fogo pela janela dos fundos, quem sabe um sonho.
Mas com a noite de domingo o viço da mocidade vai-se contaminando pela crua letargia.

Na parede o mesmo retrato desbotado nos espreita os pensamentos.
Não há esconderijo nem disfarce ante o fatal julgamento.
Debaixo do chuveiro que goteja o pai se desfaz da fina poeira do churrasco.
Um pote de azeitona lançado do alto: pluma descendo aos olhos em cochilo.

A floresta do descanso é a paz do concreto.
Fila de automóveis estacionados no subsolo.
A mercadoria à espera do comprador na feira.
A poesia vencida pela fraca inspiração...

Assim sossega a máquina feroz. Faminta e total: metalomecânica.
Amanhã irão ao trabalho; à escola; ao banco não importa.
O leite derramando sobre a mesa; a tigela transbordando de cereais.
O terno desbotado estendido na varanda respinga sobre o bico do pardal.
Voo sem norte lançando o pólen ressecado sobre a rosa hermafrodita.

Assim o engenho se move.
O feto cresce no ventre materno.
As unhas vão se encravando sob a carne dos homens –
placas tectônicas em silêncio...
Pois não há enigma nem descompasso: no final tudo se resolve.
Assim, as moiras vão tecendo a simbiose do mundo, da história e da seda.

Lucas Rodrigues Lucas Rodrigues Autor
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