Poesia

José

Era um José
um bom José, bigode algum
nenhuma estátua, em qualquer praça
nenhum disfarce, tampouco centavos
ou mesmo migalhas de um quebrado Zé
José, por inteiro, daqueles comuns
transparente, sem arroubos, sincero
feijão com arroz
a quem buscamos sempre que dói
talvez da silva ou de todos os santos
(nunca Garibaldi, Saramago ou Sarney,
sobrenomes que ofuscam a humildade dos Josés)
Um José que acrescenta
igualzinho ao nome
e a gente só sente
depois que ele some
Do perdão, da folia dos Reis
um tiquinho de dinheiro
e uma montanha de fé
Assim, simplesmente
quem não tem um parente que se chama José?


Um José de Maria
ou de Arimatéia ou quem sabe de Helena
desses homens bem crédulos
que figuram em parábolas
e acreditam em milagres
que ninguém mais creria
e quando vem a desgraça
toma a fatalidade
com resignação
mas por precaução amplia
a provisão de cachaça
e constrói uma muralha
pra prender a solidão

José, do Egito
do Brasil, de Drummond
cordeiro do mundo
um José sereno e bom,
eis o seu gabarito
Embalando na rede
a brasa quente dos justos
pra esfriar o carvão e a sede
Um cauteloso José
que prefere o raso
onde a vida dá pé
e não prega mais sustos
mas se vira no fundo
do jeito que der
e conforme o caso
ele ora ou medita
-ora chora - e assim cala
a volúpia do grito

José, cabisbaixo
debaixo das mágoas
entrado nos anos
sujeito aos risos
e a mandíbulas de hienas
por ser bom samaritano
Um José já sem planos
que ama o improviso
mas que conta seus filhos
com um brilho nos olhos
e outro olho no engano
- por onde desfila
o silêncio das penas
do peito ferido
que queima os humanos

José, coragem
encharcando a raiva
no suor do seu corpo
escolhendo as palavras
que declara no imposto
o acúmulo da ira
que juntou na viagem
dos seus pés maltrapilhos
Um José bem José
que consome o seu medo
até que a vela se apague
mas não rompe os segredos
nem que o peso naufrague
e a vida afunde

Um José deus lhe pague
que se vê nas igrejas
misturado nas ruas
entornando a cidade
seguindo a procissão
com o peso do andor
...e mesmo sendo mais um
ele não se confunde
Um José assim seja
um José, sim senhor
um José que andou
pra sair do lugar
e que eu adoro lembrar
quando bebo cerveja

Pedro L R Pereira Pedro L R Pereira Autor
Envie por e-mail
Denuncie