Quem sofre usa óculos escuros... 
 
Outro dia no terminal rodoviário 
Meu destino era nunca mais voltar 
Cheguei ao limite das tentativas 
Tantas expectativas em vão 
 
Como antes todos meus sonhos 
Seguiram para o norte 
Eu fiquei cá um pouco a descansar 
 
Quase vinte anos se passaram 
E eu não compreendi ainda 
Para onde foi todo o tempo 
Eu só cochilei por instantes e eles se foram 
 
Amores da juventude 
As possibilidades prováveis 
A idade que passa rápido depois dos quinze 
Experiência das irresponsabilidades 
 
No espelho da minha casa 
Nas vitrines das lojas na rua 
Na retina de todos que passam 
 
Minha alma febril se embala 
Na baladeira dos dias 
Delirante aos sonetos 
De ufanas paixões 
 
Foi uma mocinha de laço no cabelo 
E vestida de inocência 
Que me advertiu outro dia: 
Moço tire os óculos está chovendo! 
 
Ah! Se tu soubesses que eles 
São a marca indelével da minha dor 
E que prefiro a dor das lembranças 
A dor da inexistência das mesmas 
 
Quem sofre usa óculos escuros... 
 
Todos os reflexos me dizem 
Onde eu errei 
Como poderia ser diferente 
 
Enquanto minha casca cisma 
No monólogo sem fim 
De um existir sobrevivendo 
 
Eu não nasci na época errada 
O que eu fiz foi amar  
E a quem não devia 
E a confiar no que não existia 
 
Na hipnose de um olhar  
Que como ouro de tolo  
Cegava-me e iludia 
 
As mentiras que conto para eu próprio 
Apenas para ocultar a realidade 
Mas lá no fundo como péssimo  
Mentiroso que sou eu sei 
 
Quem sofre usa óculos escuros...