Nada a declarar no primeiro dia do ano
Nenhuma falsa promessa
nenhum desejo solene que não se cumprirá
Nada de canção que fale da paz, do amor e da felicidade
que se transforme em indiferença após o silêncio da boca
Nem flores para Iemanjá, pular ondinhas ou banhar-se com sal grosso
Os espíritos do além estão muito ocupados
São sete bilhões de pedidos simultâneos:
emagrecer, engordar, reatar namoro, arranjar emprego, estudar,
aplacar o ódio, ajudar os pobres, plantar uma árvore,
escrever um livro, viajar para a Europa, conhecer o mar...
Não há anjos nem arcanjos para tantas encomendas
Nada a declarar no primeiro dia do ano
Apenas e tão somente dedicar-me a encontrar a coragem
que cada um de nós carrega em si
Procurar com atenção, quando estiver solitário,
assobiando distraído uma velha canção ou embalando em uma rede
com os olhos no firmamento ou colhendo fruta no quintal.
Aquela coragem que tivemos quando nos declaramos
à primeira namorada,
ou quando dissemos aos pais que não
acreditávamos mais nas palavras do padre,
ou pior ainda, quando nos decidimos – e conseguimos - a aprender
a perversa matemática;
a coragem que tivemos, depois de muito gaguejar,
para falar em público e fazer um discurso com começo, meio e fim
a coragem de pedir perdão a quem gostamos, reconhecendo
e firmando o nosso erro perante o outro;
a coragem de ir embora e recomeçar de novo quando a casa
que ajudamos a construir não nos cabe mais.
Aí sim, encontrada essa sereia encantadora
que habita em algum lugar das nossa águas
seremos capazes de tudo:
mudar nosso rumo, esquecer as fraquezas, corrigir os defeitos,
enfrentar os percalços, combater as injustiças
e carregar o mundo com as mãos.
Feliz ano novo, meus corajosos companheiros!