Falaram-me do sol! Maravilhoso sol 
Refulgindo na altura ... 
Ah! se eu pudesse ver, assim como um farol 
Imenso e inacessível 
Em vertigens de luz sobre as nossas cabeças!. .. 
E — eterna desventura — 
Eu fiquei a pensar: por que o sol invencível
Não rasga o negro véu de minha noite espessa 
Quando brilha na altura? 
 
Falaram-me das florestas e das aves! 
Das aves, cujo canto 
Põe na minha alma em febre uns arrepios suaves 
De vaga nostalgia ... 
Ah! se eu pudesse ver as aves e as florestas! 
Soberbo o meu encanto! 
Se eu pudesse aclarar à minha noite sombria, 
Quando ouvisse enlevado em delírios e festas 
Num soberbo canto  
Todo poema de amor das aves nas florestas! 
E o mar? Onde o mais belo símbolo da vida? 
O mar é um rebelado! 
Que vive noite e dia "em soluços gemendo 
De cólera incontida, 
A investir contra o céu como um tigre esfaimado!
É lindo o mar no seu desespero tremendo! 
Eu não o vejo não! Mas chega aos meus ouvidos 
E escuto alucinado 
A música fatal dos seus grandes gemidos! 
Há toda uma história enorme a interpretar 
Nesse choro convulsivo e incessante do mar ... 
Ah! que destino o meu! que desgraçada sorte
Me traçou, pela terra, a mão de um Deus Brutal!
Na vida, em vez da vida, anda comigo a morte, 
A escuridão sem fim ... 
Tenho a envolver-me o corpo a asa torpe do mal. 
E falam-me do céu, das aves e das flores; 
E dizem que o mundo é um paraíso, assim, 
Todo cheio de luz, de aroma, de esplendores! 
E eu creio! Eu creio em tudo ... 
Os homens têm razão! eu creio e desejara 
Vendo sumir-se ao longe a minha noite amara
Ver o mar, ver o sol no firmamento mudo 
A brilhar!... a brilhar ... 
Mas o meu grande sonho, o meu sonho infinito 
É outro, um outro ainda: o que me faz chorar 
E há de, em fúria, arrancar-me o derradeiro grito 
Quando eu daqui me for, aos trambolhões, a esmo, 
É a ânsia indefinida, o desejo profundo 
De conhecer o que há de mais original no mundo, 
De conhecer a mim mesmo! 
Porque a julgar, talvez, pelo mal que me oprime
Eu devo ser, por força, um monstro desconforme. 
Na eterna expiação do mais nefando crime 
Atado ao poste real de minha dor enorme!...