A dança das almas
3ª parte: O todo, o espanto, a essência, a felicidade e o beijo.
As almas – entidades autônomas do inconsciente – são como as crianças, não vêem as coisas mediante fragmentos de realidade, as almas são capazes de se projetar através do todo, através do que é imperceptível aos sentidos. O todo é uma virtude presente apenas nas almas e nas crianças. O todo está próximo da virtude mais admirada pelos filósofos clássicos: o espanto. O espanto – maior de todas as virtudes – é uma estrada que guia a alma ao encontro de sua essência. Essência é a representação do possível dentro do campo do encantamento – o encantamento é tudo que aproxima meu corpo, mero expectador da dança das almas, do abraço animático da saudade. Ainda não tinha dito isso para ninguém, vou dizer só para você: “uma alma que aprende a dançar a dança das almas nunca mais será uma alma sozinha, o desejo – passeio da alma pelo encantamento e busca saudosa daquele não se sabe o quê – mostrará a outra alma o encantamento da sua e logo as duas almas se transformarão em poesia”.
Todos nós, de alguma forma, buscamos uma completude. Alguns consideram a completude algo atingível e palpável. Triste pensar. A completude – felicidade – é uma escada sem início e sem fim. A felicidade não é um algo a ser encontrado. A felicidade, vou falar baixinho só pra você, só pode ser desperta. Ela é irmã da alma. Aquele que busca a felicidade – não aquele que responde às vãs angústias – já a encontrou, pois, que ela já é o próprio desejo de ser feliz. A felicidade é um abraço quente que a saudade oferta a uma alma encantada de desejos saudosos, é uma dança de almas que na verdade sempre estiveram juntas – o destino é um velho amigo da saudade, o destino só existe enquanto forma de conferir mais encantamento à saudade – almas felizes não morrem jamais, pois, os sonhos – fagulhas de saudade – fazem dessas almas perpétua moradia. Almas felizes são como os campos Elíseos: moradia dos deuses.
O beijo é a maior expressão da saudade, no beijo as almas se abraçam e as vidas se tocam, entram na desejosa dança dos espíritos. O beijo é a aproximação do corpo – mero expectador da dança das almas – com a felicidade da alma. O beijo é um momento místico, é um momento no qual não existe mais nada, só as duas almas na dança frenética dos desejos e saudades, só as duas vidas, o tempo recua assombrado com tamanha metafísica e os astros ficam foscos – é isso mesmo, os astros só podem ser ofuscados pelo brilho de almas enamoradas. Estar enamorado é caminhar sem tocar o chão, é sentir o beijo de quem se quer na velocidade da saudade, é dormir um sono saudoso nos braços da alma sonhada. Não há quem relute contra duas almas que se amam e que aprenderam a dançar juntas. Guerrear contra almas que dançam a dança das almas é perder a batalha, ou melhor, não é perder, pois, perder, ser derrotado, pressupõe a possibilidade da vitória. Na dança das almas só elas vencem.
Todo dia uma alma vaga de encontro à outra, todo dia a saudade brinda com o seu gostar o coração de alguém. Todo dia almas dançam perpetuando pela imensidão das vidas os encantos sublimes de criaturas enamoradas. Os poetas aprenderam a dançar a dança das almas, aprenderam a sonhar com palavras sonhos para as tristes almas acorrentadas, almas que não se deixam encantar, almas cansadas, almas que se recusam a rimar. Não aprisionem suas almas, não percam o encanto, permitam-se sempre saudosos, deixem-se sonhosos, desejem, sintam vontades, busquem a completude, façam versos – sonhem com a ponta do lápis –, entoem belas sonatas. Sintam saudade, lembrem do que disse a poesia diante do homem espectro de homem: “ele precisa de outra alma, outra que busque muito estar com a alma dele”. Aprendam a dançar. Dancem a dança das almas.