A Receita Federal
- feito um deus material –
sumiu com meus dependentes
Ninguém depende de mim
Eu que juntei amores
e gastei todas as dores
em meio século de vida
declaro que sou ausente
-angústia que me assombra.
Não só não possuo bens
-fora a casa onde moro
e o automóvel em que corro –
como não tenho ninguém
e sequer eu faço sombra
Segundo as leis do leão
o meu pobre violão
-talvez o bem que mais gosto –
não constitui patrimônio
e por mais que valha um sonho
não tem valor para o imposto.
Meus versos de pé quebrados,
meu pedaço de quintal,
o canteiro de jasmim,
os filhos que produzi...
Nada disso é declarado
Nada disso tem valor
Talvez sirvam aos meus netos
como prova de amor
e declaração de afeto.
A renda que hoje declaro
não vale a vida que tive
não mede o tempo doado
nem o suor do meu rosto
Só declaro por IMPOSTO
-e com desgosto profundo.
Se me fosse facultado
diria ser mais feliz
com o ouro do meu nariz
do que com o ouro do mundo.