Em dias hodiernos, toda morte precoce ascende minhas reflexões. Seja ela de um animal indefeso ou a de pessoas através das intempéries ou culpabilidade de ações humanas que privarão muitos de viver nuances de simplicidade na vida. Já um idoso acamado, aguardando o fim, dá-me uma parca luz de entendimento de que a morte pode ser uma parceira (mesmo indesejável) atenciosa e confidente nas nossas últimas horas.
Toda morte trágica, inesperada, deveria reascender – mesmo momentaneamente - o discernimento sobre nossas fragilidades terrenas. E em toda dor de perdas (nossa ou alhures), deveríamos memorizar o homem moderno como parte criadora de seus próprios instrumentos de morte, e, mais que isso, sem atentar para a leveza do seu ser que, em nenhum outro tempo, viveu tão subjugado sob as intempéries da vida. Hoje, porém, conforta-se antes a tecnologia - enganado e enganando-se - com sobrevivências viciosas; e qualquer vício é cúmplice da ausência de discernimento e da falta de ação enaltecedora da alma. O mais simples ensinamento furta-se da nossa razão e esquecemos de que: “Quem conduz e arrasta o mundo não são as máquinas, mas as ideias.”.
Com fartas musculaturas, não é fácil admitir que somos seres frágeis, passíveis de morte em um momento qualquer inesperado. Teimamos não querer enxergar a fragilidade da nossa realidade. Longe do silêncio do discernimento, passamos a nos comportar como fantoches de televisão, enganando a morte com nossos personagens ilusórios copiados no dia-a-dia das telas de consumo. Parece até que vivemos a ilusão de que ao fim de cada ciclo virtual uma nova vida renascerá para a nossa rotina real. Enganamo-nos sonhando ser novos seres de um mundo fictício de “avatar” fugindo da realidade das dores e das perdas nas nossas rotinas inevitáveis.
Agora, temos o virtual consolador que, na ociosidade das nossas horas mortas, aprisiona-nos pelas mãos e pela mente. Tornamo-nos meros fantoches curtidores e compartilhadores de imagens furtivas-passageiras que logo estarão no anonimato; até voltam, mas sem a mesma receptividade. Somos consumidores de clichês mortíferos virtuais, preconcebidos para nossos divertimentos de pessoas cultas. "Matamos o tempo e o tempo nos enterra..."
E a cada ato dessa pseudo-realidade, buscamos o consumo, queremos mais “baladas”... Desprezamos o silêncio da reflexão, que freia o aceleramento de nossas ansiedades, porque achamos que na solidão da meditação estaremos perdendo o melhor da vida. E assim, o tempo urge a cada instante para a frivolidade dessa nova Era. Muitas vezes, escolhemos carregar a leveza da inutilidade como consolo do peso do nosso fardo nas nossas fugas das dores diárias.
Mesmo convivendo com certezas de morte, tornamo-nos novas “personas” num mundo hostil cada dia mais estranho nas estranhas da aurora de um tempo de máquinas e pensamentos artificiais de consolo. Meros passatempos para as ociosidades sempre presentes em humanos cada dia mais carentes do “Ter” e menos preenchidos pelo “Ser”.
Enquanto o número de perdas reais e indesejáveis continua aumentando minha reflexão, paro um pouco para lamentar a ausência daqueles que se vão sem o consolo da morte serena que serve de eufemismo para a triste partida de novos navegantes.
E que essa indesejável “Madona” me enamore e me beije durante muitos anos e danos em noites calmas de lua cheia. Um dia, inevitavelmente, aceitarei seu pedido de casamento. E que este "seja eterno enquanto dure."