Poesia

A Ressaca do Filho do Homem

No despertar de cada setembro, nuvens de fogo sufocam o sol já escaldante. Labaredas queimam a terra, queimam a vida para a esperança de novas vidas. Enquanto isso, homens de "Cabeça feita" - aptos à política, religião, filosofia, e "ismos" inúteis para a solução deste fogaréu eterno – recondicionam-se em seus recantos refrigerados de boa conduta traçando seus marketings rotineiros de Natal...

Um pouco a frente, em todo outubro, políticos confinados - sempre bem acompanhados - traçam o futuro dos que pisam e queimam a terra escaldada pelo sol causticante: sufrágio dos menos favorecidos. Os encontros de poder, quase sempre embalados pelo gozo do escarro dos espermas sem compromissos de vida. Acompanhantes com seus depósitos de orgasmo para os que se refugiam em carnes pré-putrefadas escondidas sob as maquiagens e roupas de seda fina.

Em qualquer mês do ano, distante das costumeiras baboseiras de caverna confortada, o tempo passa com seus infortúnios e desassossegos... Mas isso pouco importa aos viciados em poder e conforto. Entre rosários, persignações e altares, almas ditas tementes a Deus vão desfiando estratégias de “misericórdia comercial” dentro de suas roupas engomadas, enquanto os sábios de jornal digitam as últimas notícias de boa conduta social – castigando-as (as benesses) com seus velhos clichês jornalísticos nas exaltações premeditadas de ações sociais dos colunáveis de todo final de ano.

Distante dos ares refrigerados, sobre pedregulhos e resquícios de fogo, o ferro vai maltratando o chão duro enquanto a poeira, cuspida da terra ressequida, imerge na garganta do homem de futuro incerto; rotina que não mais emerge calos em mãos calejadas. Rotinas com marcas de miséria sempre enunciada. Triste sina de homens obedientes com cérebros “cabos de vassoura”... Varrição da terra, obediência aos temores atávicos de morte, cumprimentos ao vaticínio dos donos de verdades absolutas. Homens procriadores de outros porta-fezes, sem tese... Mimese da miséria sempre coordenada pelos dubitáveis atos de boa ação!

Sobre a pedra, sobre o barro, sobre o homem sem quimera, indiferente a tudo, passam os homens de poder em seus alinhados ternos de demagogia. Longe do choro da terra e do homem do campo, eles gozam dentro de banheiras relaxantes, pagas com o suor do sacrifício da diferença social. Nos confortos de gabinete, nenhum terno quer se arriscar ao convívio do calor infernal junto às intempéries da terra e dos homens. Triste penúria daqueles que irão ser soterrados no mesmo chão. Chão que não distingue medalhas, enxadas... Conforto e lamúria para aqueles que se saciam do seu embrião!

A esperança ainda não faz morada nas tardes de novembro. Os céus, ofuscados pela queima da terra crua – agora nua -, teimam em não chorar as lágrimas de chuva que sempre tardam a cair. Em todo canto, o sol como testemunha: sol que germina, que maltrata, que isola os semelhantes dentro dos ares refrigerados... Sol testemunha de atos e fatos, de maleáveis boas vontades e contratos subjugados aos interesses subjetivos de quem ostenta o poder... Por prazer!

Nas mesas de coquetel político, mangas amadurecidas pelo sol de outubro são testemunhas das “tramoias” de senhores de boa vontade em busca da alternância do poder. Pais, filhos, netos... Todos! Discursos, clamor e anseios pelo assento do conforto da soberbia. Na mesa, a mesma fruta decorativa que sacia a fome do povo sem esperança, do porco na engorda... Do rato do mato que queima nas brasas de fome. Todos numa só aresta de desespero e incompreensão desse masoquismo divino passageiro.

Enfim, olhos sem esperança se voltarão para um dezembro de luz. Faces ávidas de esperança vindoura. Numa só noite, a vontade de todos: terno e ternura, roupas rasgadas e engasgos de gafes sob a compaixão dos deuses... Um pedido de perdão frente ao nascimento do justo para a glória do poder dos injustos.

E nessa eterna ressaca, ante as atitudes dos homens, o filho de Deus perdoará a todos numa só noite!

Kal Angelus Kal Angelus Autor
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