Cedinho, na minha cata ao lixo, esbarro com velho jornal e me deparo com crônica de ícone da cultura local; figura tarimbada em páginas culturais de jornal. Bom prosador! Sempre o leio com esmero e agracio-me com sua áurea de imortalidade. Terminada minha leitura reciclável, relembro sua euforia numa roda de conversas em “mesa Cult”.
-“... quando tô cheirando a inspiração vem com ares mais culturais...” - Um “tapa” na minha concepção “inoduru”.
Aspiro o cheiro de terra molhada e sigo no meu niilismo momentâneo. A explicação desse conjunto da “diversidade cultural” sempre me entranhou goela abaixo, deixando um gosto insípido de velhos questionamentos sobre droga e cultura... Conceitos e junção com ramificações mais hodiernas do que nunca.
Dentro desse metier esquerdista, há muito se convencionou de que droga faz parte da área cultural e que, devido a antigos padrões comportamentais, não se cobraria mudanças a um determinado grupo que se manifesta com uma bandeira diferente do restante da sociedade.
- “...mas cheirar na periferia é crime, com direito a espaço em programas policiais...”
Na ocasião, o pensamento saiu meio soberbo. Deu até vontade de extravasá-lo ante ao ícone cultural. Mas um velho ensinamento ainda pondera minha caretice: “Posso até não concordar com o que você faz e fala mas morro defendendo seu direito de agir e pensar como queira.”
Contentei-me...!
Volto no tempo, tento ver e sentir o cheiro das paisagens de Van Gogh: feno, campos abertos e céus vastos. Mas a Holanda é longe! Aqui, sob meus pés, terra salpicada com os últimos respingos que anunciam um doloroso verão com os resquícios da chuva do caju. Último cheiro de chão molhado do meu sertão antes do calorão do Br-o-bró (setembro, outubro, novembro, dezembro...)
Ainda relembrando Van Gogh, nas entrelinhas do passado - entre loucura e cultura - uma orelha é cortada: decepada e enviada para a amada. Por trás dessa ação, a "Pernod Fils Absinto" popularizando a droga como parte do sucesso de muitos famosos da época; criando, assim, comportamentos diferenciados para a criatividade na cultura. Mas, esquecendo o absinto, Van Gogh, mesmo sem orelha e com suas doideiras, no nosso presente é aclamado!
Procuro entre galhos da praça um rosto de deusa: "Artemísia absinthium." Vejo apenas terra agradecida e folhas mornas agasalhando pardais nas suas algazarras rotineiras. Sigo meu caminho enodoado de pensamentos. Sob o braço, o inspirado cronista. Vou fungando o odor da terra molhada, o cheiro panteísta da inspiração, o cheiro dos deuses... O cheiro "careta" da minha inspiração.
Mais uma puxada e as palavras fluem em pequenas anotações no resto de papel de bunda da noite passada.
Mas, aí, já é outro odor e outra inspiração!