É muito triste quando um amigo vira um estranho
E isso acontece repetidamente. O tempo adora cometer essa ingratidão
Caminhamos rumo ao ignorado cada vez mais desconhecidos
Desconhecidos dos rostos, da paisagem, dos costumes
Eu que me escondo no anonimato, reajo à amargura da indiferença.
Amigos que viram estranhos apagam o nosso passado
E no presente os estranhos não querem mais virar amigos
Na vida deveríamos contar amigos, livros e discos.
E plantar poesia. Nada mais.
Mas as pessoas teimam em se ausentar.
Até os filhos ficam tão enormes que não cabem mais dentro da nossa casa
Eu venho de família grande – dez irmãos enraizados –
e aprendi a falar gritando pra me fazer aceitar. Fui o rei do calundu.
Todos me conheciam. Na minha casa, na minha rua, na minha escola.
Mas mudei-me de minha rua e ela mudou-se de mim. Não passo de um desconhecido quando por ela atravesso.
Muitos amigos se foram, para nunca mais voltar.
E a gente fica adiando a hora de encontrá-los
Ainda nos restam os netos, as flores que cultivamos e tempo para o protesto.
Os amigos vão virando estranhos
Lavro todos os dias o meu protesto contra a carestia, os espigões que me cercam e os amigos que me esquecem.
Vocês passaram e eu fiquei. Passou também a lembrança de quem éramos ontem. Ficou a distância em que hoje nos miramos.
Fria distância que aniquila o calor da minha memória.