I
Meu amigo cajazeiras,
Não sou de disse-me-disse.
Já se abriram as porteiras,
Muita gente fez tolice...
O mais nobre dos teus planos,
No correr dos velhos anos,
Era abastecer teus entes.
Porém, o consumo estúpido,
Deu-te um odor tão pútrido,
Que não tem bicho que aguente.
II
Na cabeceira do rio
Não impera poluição.
A água, depois que partiu,
Vai desbravando o sertão.
E a pergunta surge, enfim:
-Que fazer depois do fim?!
Seca as lágrimas do pranto,
Mas não seques, por favor!
A terra quer teu frescor,
Teu cristalino e azul manto.
III
Tu, colosso agonizante
Por coliformes fecais;
Em um tempo bem distante,
Eras bonito demais.
Grandes ondas encrespadas;
As roças bem cultivadas;
A fartura em tuas margens...
Meu pensamento se encerra:
Não tem valor esta terra;
As belezas são miragens.
IV
É triste antever o fim
Correndo em galope equestre.
Choro por ti e por mim
E pela vida campestre.
Não sei por que cargas d’água,
Teus lençóis ninguém enxágua,
Pois todo mundo se esconde.
Não sou um dejeto imundo;
Já estudei tudo a fundo;
Minha fraca voz responde.
V
As tuas salobras roças
Sofrem por não produzir;
O salitre te faz troças,
E vai tudo consumir.
Zomba de ti voraz verme;
Acomete a minha derme
De enfermidades estranhas.
Nem o gado bebe e baba;
Cai o pano, a cena acaba...
Ilusão rasga as entranhas.
VI
Mas eu te proponho um trato:
Não desvies os teus caminhos...
O que é preciso, de fato,
É treinar os pequeninos,
Ensinando-lhes ciência;
Dando-lhes mais consciência;
Apostando no futuro.
Quem sabe, outra geração
Não evita o podridão
E te deixará seguro?!
VII
Talvez possas alcançar
Novo tempo de fartura,
Quando o povo bem pensar,
Não ser tão cabeça dura!
Mas talvez, a solução
Seja uma boa estação
Das agruras deste mundo:
Que limpe a maledicência,
E possa dar consciência
Para um povo tão imundo!
VIII
Estações de tratamento
E dessalinizadores;
E mais comprometimento
De competentes gestores,
Hão de dar o sustentáculo,
De retirar os obstáculos,
Que te impedem de escapar
De um futuro malfazejo.
Lá no horizonte eu vejo
Belo açude a se mostrar.
IX
No currículo escolar,
Há de ser introduzido
Novo modo de lidar
Com rejeitos produzidos.
Vamos plantar esperanças
Nos corações das crianças...
Tu verás que vai dar certo.
Não demora, os passarinhos
Voltarão para os seus ninhos,
E florirá teu deserto.
X
A cidade vai crescendo,
Toda demanda também.
A população perdendo
Costumes que causam bem.
Se cuidarem dos teus veios,
Hão de mamar nos teus seios,
Filhos, netos, visitantes...
Com água de qualidade,
Beberemos, com vontade,
Doces goles borbulhantes.
XI
Vamos mudar o manejo
Sem abandonar o açude.
Um novo futuro eu vejo,
E meu peito não se ilude.
Esta terra ressequida,
Tão fraca, desmilinguida,
Não sobrevive sem água.
-És desta terra uma esposa;
Néctar que atrai mariposa;
Sorriso que afasta a mágoa.
XII
Por isso, meu caro amigo,
Escutei o teu lamento;
Tu podes contar comigo-
Sem poder, mas com talento.
Se minha voz se calar,
E de ti ninguém cuidar,
Pode ser tarde demais.
Mas se eu levanto a bandeira
De atitude alvissareira,
Vamos conseguir bem mais.
XIII
Não precisas mais chorar;
Outros sons já tenho ouvido.
Agora vamos cuidar
Do teu corpo tão sofrido.
A fraca voz que responde,
Deveras não mais se esconde,
Tem um coro de mil vozes.
Arrancada psicológica:
As atitudes com lógica,
Afastarão teus algozes.
XIV
Quem sabe um dia, as vazantes
Possam dar seu ar da graça!
Lixo, descaso?... Distantes;
Finda-se o odor de fumaça.
Água limpa de verdade,
Sem cheiro ou salinidade,
Abastecendo os munícipes.
Com muito orgulho veremos
Todo bem que te fizemos,
De tudo sendo partícipes.
XV
Ah, então posso sentir
Felicidade aflorando;
Tuas ondas a sorrir
E tua voz sussurrando:
-“Agora posso cuidar,
Sem medo, sem lamentar,
Desse meu povo adorado.
Chega de preocupação;
Deus me deu a redenção:
Estou feliz e curado!”
Dedicado ao açude Cajazeiras, da cidade de Pio IX-Pi
