O rio subterrâneo que navega em minhas veias
Murmura surdos segredos, todos invioláveis
Sopra no meu ouvido convites impublicáveis
E carrega para o fundo a chave do meu enigma
Ora o rio é correnteza
Me arrastando como galhos
Tragando a sensatez, inundando meus atalhos
Aguçando a minha loucura, destruindo minhas margens
Sacudindo o meu destino, arrebentando as represas
Ora o rio é mansidão
Reflexivo e calmo
Fazendo correr os dias, uma noite após a outra
Banhando as minhas faces com o leite das suas águas
Saciando a minha sede, lavando as minhas mágoas
Enxaguando a minha alma até que se torne alva
Ora o rio é um fiapo
Tomado pelo deserto
A margem maior que o rio
O rio menor que o barco
E o barco morrendo quieto
Ora é escuro, ora é claro
Às vezes limpa, às vezes turva
Ora evapora em mim, ora eu derramo chuva
Esconde em suas entranhas
O peixe que me alimenta
Como uma velha montanha
Encobre tesouros raros
O rio subterrâneo que me navega por dentro
Tem idioma próprio, mas não precisa de margem
Nem as veias do meu corpo determinam o seu percurso
Nem as vias do destino orientam a sua viagem
É um rio que nunca passa, é um rio que mora em mim
Profundo como a angustia imersa em sua corrente
Imenso como o escuro de uma noite que não tem fim