Meu reino é passado, meu tempo já foi
Um rei deserdado, eis meu inventário!
A minha sentença é viver foragido, um fora da lei
A lei dos mais fortes, a lei dos espertos
A lei da rasteira, a lei dos mesquinhos, primeiro os teus
Primeiro até mesmo que o próprio rei
Embala Mateus, que o filho é teu.
Um rei sem reinado, um rei que está nu
Que reino é o meu?
Soberano marchando ao contrário dos ventos
Que sopram navalhas, serpentes de asa e pedras de fogo
Como cantar se a corrente do rio arrasta meu canto?
O sonho dos homens não mais se alastra
São sonhos banais que findam com o expediente
Não há Ícaros, nem Hércules, nem Quixotes, só Pilatos!
De mãos encardidas de tanta covardia
Fugiram os cristãos, venceram os leões
Soberanamente vos pergunto: que reino é o meu?
Um rei caduco, demente, triste e solitário
Que assiste incrédulo ao triunfo da insensatez sobre a loucura
Que procura em vão onde derramar o seu nobre heroísmo
Que chora cada pétala arrancada da rubra rosa da paixão
Ah, que voltem os loucos! Que retornem os ébrios embriagados de luz!
Que cantem os profetas as profecias que incendeiam a imaginação
Que chorem os poetas as noites escuras de imensidão
Que a luz que ilumina a visão dos cegos mostre onde se escondeu o meu antigo reino