Poesia

Maria do Amparo: Um amparo de Maria.

“Nada temas, pois eu te resgato.”
Isaías: 43.1


Falar de Maria do Amparo é falar do amor de Deus que chegou a mim através dela, o qual me resgatou.... É descrever como o seu “amor delicado”, como bem disse a Valéria, me conquistou.... É falar da paciência que ela teve para me reconduzir ao ideal de Chiara.... É dizer como ela, enquanto em vida, me viu sempre com a pureza que Deus continua a desejar para mim.... É falar de Jesus Abandonado e Maria Desolada, da imagem viva que, de joelhos a seus pés, eu tive a graça de presenciar na face dela, na última vez que estive com ela, no seu restinho de vida.
Falar de Maria do Amparo é falar da nossa querida e amada Amparo, aquela que soube com o seu grande amor ser um amparo de Maria para todos nós.
. . .

Conheci Amparo em 1974 quando, depois de retornar de Natal onde estudava, eu tive a graça de conhecer esse extraordinário ideal de Chiara que é o Movimento dos Focolares. Naquela época, o movimento aqui em Teresina era composto de um pequeno grupo, no qual já participavam minha mãe e a Amparo. Apesar da diferença de nossas idades, logo tivemos uma afinidade de alma e nos tornamos amigas. Eu, Gen, com dezenove anos e ela, talvez com seus 30 e poucos anos, já num grupo de pré-voluntárias. Fizemos várias viagens juntas para os encontros e Mariápolis, em Recife e Fortaleza.

Lembro que num encontro em Fortaleza senti o chamado de Deus para ser uma voluntária, o que foi muito belo. Ao retornar deste encontro de Gen, foi para Amparo quem primeiro contei minha decisão. Depois disso, fomos percorrendo juntas o Ideal. Passamos a pertencer ao Centro de Belém e por várias vezes estive no grupo dela, participando de muitos encontros e viagens juntas.
Porém toda essa convivência se perdeu quando me afastei do movimento, por não saber superar uma dificuldade minha. De repente aquela dor me fez esquecer o chamado que havia recebido de Deus.
Amparo continuou crescendo no ideal. E eu, casei, tive filhos, toquei minha vida no trabalho e sempre aderente ao movimento, mas incapaz de assumir compromissos e responsabilidades nesta bela Obra de Maria. Amparo continuou minha amiga e sempre fiel no seu “amor delicado” para comigo. Em tudo estava presente em minha vida. Não se cansava de me convidar para os encontros e reuniões mesmo depois de muitos “Não posso!...Não posso!”... Às vezes, para agradá-la e a minha mãe, que também era incansável nos convites, eu ia a algum encontro ou reunião. Mas continuava incapaz de retomar. Fui colocada várias vezes em grupos e não me adaptava.

E o tempo passou. Até que em 1997 dei um curso de decoração no Teresina Shopping e resolvi convidar a Amparo para participar e me ajudar, fazendo unidade. Pois, apesar de estar afastada do movimento, eu acreditava muito no milagre produzido pela força da unidade. Ela foi com um grupo de voluntárias. Lembro que naquele auditório lotado, enquanto falava, eu não consegui ver ninguém que não fosse a Amparo. Parecia que só ela ali estava, daquela cadeira lá no fundo me vinha uma força sobrenatural que me fazia falar com uma fluência que parecia tocada pelo Espírito Santo. Assim, o curso foi um verdadeiro sucesso, graças àquela unidade. Daquele dia em diante passei a prestar ainda mais atenção na Amparo.
Comecei a ver como ela havia crescido em espiritualidade, em cultura e sabedoria. Eu sentia que dela emanava um amor suave, no seu jeito de ser, que parecia uma outra Maria. Não era aquela Maria do Amparo que conhecia. Comecei a perceber uma superioridade e uma desenvoltura que me encantavam.

Dali em diante, sempre que possível, eu a procurava no final da missa da Igreja São Benedito para colóquios. Até tentei participar de um novo grupo, mas novamente me afastei. Mas não pude me afastar dela.
Tempos depois, quando montei uma loja, enfrentei grandes dificuldades e ela mais do que nunca intensificou seu “amor delicado”. Ela continuava incansável nas visitas, nos telefonemas para saber como estava e nos convites para me fazer mergulhar na força da unidade. Ela nunca deixou de acolher as minhas cruzes e dores, como se a ela pertencessem. Nunca me julgava ou sequer me aconselhava. Apenas me ouvia numa paciência e numa unidade que me tocava a alma e me transformava. Logo voltei a integrar um núcleo de Pré-voluntárias e perseverei graças ao seu acompanhamento, paciência e amor incondicional.

Até que, em 2002, fui a um encontro em Codó, Maranhão, e lá, como há anos atrás em Fortaleza, enquanto rezava no Santíssimo, senti aquela mesma força e o chamado de Deus. Sabia que agora não poderia recusar esse segundo convite. Lá me confessei e o sacerdote me sugeriu ler Isaías 43.4.5 que diz:

“Porque és precioso a meus olhos, porque eu te aprecio e te amo, permuto reinos por ti, entrego nações em troca de ti. Fica tranqüilo, pois estou contigo, do oriente trarei tua raça, e do ocidente te reunirei”

E ali vi que eu era preciosa aos olhos de Deus, pois ele novamente me chamava e me dizia;

“Não temas, eu te resgato”
Isaías: 43.1

Agora, após a morte da Amparo, quando me arrumava para ir ao velório, lembrei perfeitamente destas frases do Evangelho e vi que eu também fui preciosa aos olhos dela. Vi que ela me apreciou e me amou. Ela me amou até o fim, amou a todos que por ela passaram.
Lembrei das tantas vezes que ela me acolheu em sua casa e, mesmo doente e com suas dores, me amparou. Lembrei de como ela colocava ao meu dispor, com delicadeza, seu robe, seus lanches e sua rede para me ajudar a vencer as dores, o cansaço e as lágrimas. E foram muitas as lágrimas que Amparo amparou no seu ombro amigo. Preocupava-se com meus filhos como se fossem dela. Ligava-me várias vezes por semana e estava sempre pronta para rezar e fazer unidade comigo. As graças obtidas dessa unidade eram verdadeiros milagres e faziam com que todos da minha casa se deslumbrassem com o amor dela, tornando-a querida pelo meu marido, filhos, amigos e funcionários. Ouvir Amparo falar nas reuniões e encontros era como se reabastecer de Deus.

Jamais vou esquecer da festa dos seus 60 anos, na Caseta, quando ela recebia a todas na porta, imponente, portando uma bengala, mas imbuída de um superior amor de mãe. Foi divino perceber como aquele “Jesus em meio” construído ali havia me purificado. Parecia que havia sido mergulhada num produto de limpeza.
Na sua doença nunca ficou esperando ser consolada ou amada, mas sempre amava por primeiro e conservava cuidadosamente a alma dilatada no amor de Deus, esquecendo de si mesma, para acolher e assumir o Jesus abandonado de todos.

Não foi exclusivamente comigo que ela agia assim. Ela, Maria do Amparo, amparou com um amor exclusivo cada um que por ela passava. Amou a todos: sua família, suas voluntárias, os demais membros da Obra que abraçou como Ideal de vida, amigos e desconhecidos. Todos!

Não julgava. Amava e via todos com a pureza que Deus quer que tenhamos. Se uma cabeleireira ia cortar lhe os cabelos durante a sua doença, da sua presença a pessoa saia tocada e transformada. Se alguém a acompanhava ao médico, à radioterapia ou nas internações, percebia como o seu amor ia deixando rastro de luz por onde passava.

Nem mesmo quando lhe restava apenas um fio de força e de voz ela não deixou de ouvir, compreender, de fazer unidade com todos. Dela sempre jorrava o mais puro amor.

Na sua última semana de vida, um dia antes de ela ir para a UTI e de lá não mais sair, fui a sua casa. Lá a encontrei numa rede, sem falar, ouvir ou abrir os olhos e com um leve gemido inconsciente. Comecei a estremecer de emoção e me veio uma vontade incontrolável de me ajoelhar, como se aos pés do Santíssimo estivesse. Vi ali a face de Jesus Abandonado e Maria Desolada e, apesar das lágrimas que dos meus olhos rolavam sem permissão, senti minha alma inflar como um imenso balão, dilatando-se a ponto de parecer tocar o céu. Compreendi que ali se fazia uma permuta, uma entrega de amor. Não apenas eu seria beneficiada naquela transmutação, mas a obra inteira de Maria aqui na terra. De Joelhos, permaneci em êxtase apreciando aquela visão. Quando levantei, eu tinha consciência de ter adquirido um par de asas. Exatamente daqueles pares de asas que Chiara fez Ginetta conquistar e que eu tanto sonhava possuir. Não sei explicar, só sei que agora vou poder voar e ficar entre o céu e a terra. Ainda estou como um pássaro testando suas asas, mas certa de que o caminho é o “Abandonado”, recomeçando sempre o jogo de Amor, como a nossa Amparo ensinou.
Finalmente, o melhor de tudo é ver que muitos receberão como eu “pares de asas”. Uma ninhada imensa de pássaros ganhará os céus, porque uma Maria do Amparo se fez um amparo de Maria.

Haydée Ferreira Haydée Ferreira Autor
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