Poesia

COMPOSITOR DE DESTINOS, TAMBOR DE TODOS OS RITMOS

Tempo,
Hoje não vou te fazer uma daquelas orações rotineiras pedindo piedade no meu futuro; ao contrário, eu vim falar do passado e de tudo que me incomodava nele; o problema é que isso me faz falta no presente. Eu nunca pensei em te pedir isso, mas me devolve aquelas alegrias camufladas que eu não sabia reconhecer simplesmente por fazerem parte da minha rotina, e você levou. Eu sei que você vai me interpretar como confusa ou como um alguém que nem sequer sabe o que quer, mas a verdade é que já não sei nem quem sou eu. E é por estar tão perdida em mim mesma que clamo sua ajuda: eu não consegui me adaptar com a vida nova, ou talvez me acostumei tanto que quero aqueles dias agitados novamente; não que as últimas 24 horas tenham sido silenciosas, mas agitação de alma é um dos piores desfrutes que já experimentei.

Tempo,
Eu sei que inúmeras vezes desprezei meu passado e subordinei minha própria história na esperança de ser vista com outros olhos; mas não, eu juro que não queria ter mentido tanto pra mim mesma. Mas, enfim, hoje eu descobri, juntando meus pedaços, que não havia nada melhor que a época onde meus sorrisos eram mais alargados e meus choros eram altos. É, antes eu gostava de chamar atenção, hoje prezo uma invisibilidade que não me ofusca por inteira, mas consome boa parte do meu ser.

Tempo,
É estranho essa sensação de estar entrando no meu próprio passado, em fração de segundos, mas ser incapaz de torná-lo meu presente, e isso só nos afasta mais, pois logo a realidade vem à tona e eu, mais uma vez, tenho que fingir que esqueci de tudo, quando na verdade eu só armazeno as lembranças no meu ego pra que eu posso encontrá-las em momentos de nostalgia, ainda que este me tire o ar e me dê o consentimento que boa parte do meu cérebro está sendo bloqueada; é daí que surgem as angústias que me forçam a correr dos próprios pensamentos e seguir vestindo uma máscara que opaca o meu eu.

Tempo,
Tá tudo tão confuso aqui dentro; eu tento descobrir o caminho que fiz pra chegar até aqui e poder sair, mas não consigo encontrar um "mapa de vida" e isso me deixa cada vez mais perdida. Entre tanto e nada, eu percebi que eu nunca conseguirei sair de onde estou porque não estou propensa a regredir e meus localizadores insistem em apitar tantas e tantas vezes, sempre exclamando que não há um mapa, aliás, essa tal de vida é mais perdida que eu por completo e mais inesperada que sua lógica de traçar destinos.

Tempo,
Traz de volta minha coragem de sorrir
Traz de volta minhas brincadeiras diárias como as únicas preocupações
Traz a paz de espírito
O costume de felicidade
A rua estreita
A fobia de brincar de correr
O medo de cair
Mas a coragem de se aventurar
A vontade de se sujar
O querer de me mostrar ao mundo
Traz de volta até as birras
Até os choros altos
Até o medo de perder minha família, que nunca deixou de habitar em mim
Traz de volta quem eu sou – ou era, de verdade
Traz de volta meus sonhos acordados, que ainda são visitas frequentes, mas que já deviam ter se tornado realidade
Traz as novelas que eu assistia e inspirava na minha profissão futura
Traz as músicas que me ensinaram a ti escrever
Traz as pinturas de aquarela
Traz o medo de escuro, que ainda me atormenta
Traz a confiança que eu tinha em mim mesma, que sempre me elevava psicologicamente
Traz a sensação de voltar da escola e ir diretamente ver TV
Traz o gosto puro que eu sentia
Traz a minha vida de volta
porque essa foi um engano.

Tempo,
Houveram imprevistos de última hora e, quando eu crescer, eu quero ser criança.


(Ias Rodriguez, 2017)

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