Poesia

As lâminas de Clarisse

"Quando o os antidepressivos e os
    calmantes não fazem mais efeito.
Clarisse sabe que a loucura está presente
e sente a essência estranha do que é a morte"
― Legião Urbana

As drogas conseguidas nas farmácias e as implorava nas esquinas,
todas elas, estão espalhadas pela casa e pelo corpo.
Mas continua a melancolia, a angústia
e o desespero de não ser quem queriam que fosse;
de ter uma dor horrenda que não consegue explicar nesse mundo horrendo e violento.
Mais o medo que lhe assoma sempre,
que faz preferir as sombras do seu quarto.
O medo do mundo lá fora que com sua mediocridade lhe aprisiona não somente dentro de casa,
mas dentro de si mesma também.

E ela chora como sorriem os palhaços ou pervertem os maníacos ― naturalmente sem sentir.
Há tanta dor em seu choro daquele que assim a visse chorar...
E chora mais águas que possa haver nas cataratas do Iguaçu,
e mais violenta do que todas elas.
O seu choro é um punhal para aqueles que a amam.
Mas ela já não ama mais a ninguém
(ou quase ninguém).

E o mundo se esfarela ao seu redor,
constituído de vícios e virtudes ignoradas por todos.
O corpo vestido de pele e pêlos,
desnudo das etiquetas que ditam quem és,
estirado e retorcido no colchão ao chão
tão limpo quanto a índole do religioso que prega o ódio entre as religiões.
As lâminas brilham como se sorrisem, prateadas, convidando-a para o ritual atroz da carne.

Não fazem barulho, estão caladas, estáticas,
sendo apenas lâminas afiadas e cortantes.
Mas seus brilhos durarão pouco.
Os braços brancos parecem não haver mais sangue neles,
mas um corte pinta um desenho de corações partidos com sua tinta humana, e, mais as caveiras.

Outro.
Dói; mais ainda na alma!
Mais outro.
E um suspiro ansioso e um tremor e um riso sinistro.
Outro, mais longo.
Um êxtase e um medo repentino inexplicável.
Outro mais, mais fundo.

A sensação de derrota e de que a morte lhe aperta o peito.
Mas a morte não vem e ela sente medo de si mesma,
ali sozinha,
vertendo um  mar de rosas espinhentas e vermelhas.

As páginas alvíssimas da Bíblia
― seu livro favorito de outrora ―
já não curam ou aliviam, ou ao menos trazem conforto espiritual:
os homens transformaram livros sagrados em livros didáticos da iniquidade e de superfluidades.
Os homens destroem o próprio homem.
O homem se destrói.

E ela chora ante à podridão que somos.
Chora e pede perdão pra Deus,
não sabe bem ela, pelo quê,
como se suas lágrimas fossem batismo no rio mais puro,
que a purificasse de todo mal existente.

Luca Jordão Luca Jordão Autor
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