Poesia

A Legião dos Homens

O trabalhador fatigado desce pela escadaria em sobressalto.
O umbigo suado atinge-lhe o uniforme azul : poço de óleo enchido a gotas.
Sem saber, soletra o anúncio pela janela e leva-o a casa.
Um gato faminto na esquina. o vendedor de jornais erguendo a notícia.
Manifestos em alvoroço. Cheiro de fruta esquecida ao final da feira.
A unha encravada lhe incomoda o passo; calhamaço de ideias mal digeridas.
Moedas de real soltas na mochila. Córrego entupido por antigas lembranças.
No solavanco do metrô, adormece sobre o braço esquerdo. Sinal vermelho sobre a testa.
Um amigo de infância lhe reconhece, mas esconde a vista.
Prato frio sobre a mesa. Desabafo da companheira explodindo em ira.
Sono inquieto na noite fria. Passos estranhos na madrugada.
O nosso homem é parecido com o vizinho que também sonha.
Desce o rosto sobre o travesseiro gasto e descansa.
Mais o amanhã é implacável.
De súbito, o João desperta em ressaca.
Um pouco mais calmo levanta o Raimundo, a Maria, a Raquel...
De um a um avolumam-se a legião de proletários.
Soprar o moinho do dia que lhes chama. Movem o mundo em corredeiras.
Em troca, a parca ração de todo dia.
Passa o pai, o filho. Lembram o avô.
Assim, a fábrica desentranha o homem esquecido do ventre confortável.
Molda o que lhe é mais intimo num lançar de dados.
Vão-se então milhares. Não como o ego , amorfo e indecente, mas como a espiral ascendente pairando em monotonia.
Infiltrado na massa informe, desce a ladeira o nosso bom moço.
Rosas escondidas sob a algibeira. Alívio provisório do banho quente.
Então, sem pretensão de esgotar a batalha dos séculos, sobe as mesmas escadas,
Abraça o novo velho dia e, resignado, assume a fissura estreita que lhe cabe.

Lucas Rodrigues Lucas Rodrigues Autor
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